segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

MURAL DO CAFÉ IMPÉRIO E OS DOIS OVOS AO FIM DA TARDE DE LUIS DOURDIL

Fragmentos da pintura mural


"Sem ovos nada feito" __ Revista Time Out Lisboa recorda o restauro do mural de Luís Dourdil no Café Império em Lisboa,no âmbito do Centenário do pintor.

" Sem ovos nada feito" ____ vem recordar e dar a conhecer aos mais jovens, que o pintor realizou esta obra com têmpera a gema de ovo.
para sorrirem com um pouco da história :
(...)
-Perdoe Vossa Excelência:gostaria de confessar uma curiosidade.
-Estou a ouvi-lo
-Bom o caso é este:os ovos,os dois ovos diários. não são para o senhor comer,não são para ninguém comer, pois foi o senhor a dizê-lo;então para que servem?
-Muito simples: para pintar.
O logista recuou,varado pela zombaria...,apontou o dedo trémulo...
-Diz Vossa Excelência que são para pintar.Tem graça.Carradas de graça.Para pintar de amarelo, bem entendido.
-De azul.Ou de violeta,vermelho,negro.-E após ter sublinhado uma pausa,falando espaçadamente e com uma deslavada
inocência:-Mas às vezes também de amarelo,de facto.
Olhando à roda,não fosse alguém reparar no diálogo,o logista retorquiu,sem já moderar o sarcasmo:
De azul , de preto, de violeta.Pintando!
-Com ovos
-O senhor, o senhor!-Estava prestes a pôr de banda todo o resguardo nas suas reacções. Estava.Estava preste a esquecer,pela primeira vez na vida,
que um cliente é um cliente.Mesmo sendo tonto ou lunático.Ou provocador.-Mas pintar aonde?
-Numa parede.No fundo da Alameda.Naquelas obras ao lado do Cinema.
-Ao lado do...No fundo da Alameda.
Há um tapume, nessas obras.
-Mas isso é um café.
Vai ser Grande.O maior de Lisboa.
-A pintar.
-Com ovos,sim.O senhor pode ir lá ver.
-E vou .Quando?
-Quando quiser. Agora.Agora mesmo.
O logista ainda incrédulo disse e poderei ir depois de fechar a charcutaria?
-Claro que pode agora já sabe o sitio.
-Então lá estarei.
O homem divertido,foi saboreando a conversa ao longo da rua.Chegou à Alameda sem dar por isso.Começou a preparar a emulsão no almofariz.Aquilo servido numa travessa passaria por maionese.De um lado .a gema de ovo misturada com o óleo de linhaça;do outro o friso de latas com os pigmentos.Como estes eram uma poeira seca,aderiam ao pincel molhado na emulsão.Nada de colas.Estudara a técnica com todo o vagar.Lera alfarrábios,fizera experiências.A gema de ovo fora até ao século XVI um dos veículos das tintas.Os antigos não eram tolos.Para eles a arte começava na oficina. Interessara-lhes a gema de ovo, cuja albumina ligava perfeitamente a água ao óleo.Pintura com séculos de confirmação, resistindo às maiores usuras. Tinha.Tinha de resultar.Mas quanto fizera sofrer o pobre logista!Exagerara.Sem premeditação,é certo empurrado pelas circunstâncias,pelos espantos,pelos tais laconismos.No entanto, talvez o enigma tivesse agitado a monotonia daquele viver.Batiam à porta, devia ser ele.Disse para o ajudante:
-Vai abrir que certamente de é o senhor dos ovos.
-Procuro uma pessoa que pinta aí nas obras...,sentiu-se engolido por um túnel de surpresas:andaimes,o esgazeamento
de luzes crua.Não viu logo o seu cliente,porque este sumia-se no poleiro de cavaletes. Mas.Mas de lá lhe chegou uma voz familiar:
-Trepe a essa mesa é mais fácil.
Levantou a cabeça para o alto,na direcção das lâmpadas que tinham o feitio de olhos de rã.Uma vasta parede de cal e areia, por onde progredia,uma labareda de cores,a incendiar os esboços de carvão,representando pessoas com o ar extasiado de quem aguarda um cometa no céu.céu. Ei-los,os vermelhos,os azuis,,os amarelos.Aceitou a mão que o ajudava.O cliente vestia um fato de macaco e,na face encovada,ondeava a magia das sombras.
-Repare-dizia-lhe o pintor,numa inflexão paciente e bem humorada-,repare nesse almofariz.E nas cascas dos ovos.É assim que se fáz a mistura.Um pouco de pó vermelho e aí temos o pincel a fazer das suas.
O visitante permanece silencioso.Esforça-se por recuperar a sua personalidade de logista...
-Razão tinha Vossa Excelência.Dois ovos por dia,claro.Não precisava de mais.Desculpe ter duvidado.Confesso que ainda me sinto confuso.Vender ovos para alguém pintar!-Apoiou-se no estrado,fitando o cliente com serena admiração : -Tenho a honra de estar falando com...

-Luis Dourdil,pintor.
-Agradecido a Vossa Excelência
O pior é que a minha mulher não vai acreditar.
- Resposta a Matilde- de Fernando Namora "DOIS OVOS AO FIM DA TARDE" conto verídico sobre Luis Dourdil_ 

Um comentário:

  1. Gostava só de informar que o logista da charcutaria da Avenida Guerra Junqueiro era José Maia Pereira, meu pai. Lembro- me de ele contar várias vezes este episódio da venda dos ovos diariamente a Luis Dourdil , quando descia a Guerra Junqueiro a caminho do café império para pintar o famoso mural, utilizando a pasta de ovo.

    ResponderExcluir