segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Luis Dourdil Memórias e registos



Seminario “A pintura mural em Luís Dourdil” de la Sección de Estudios do Patrimonio de la Sociedade de Geografía de Lisboa (Portugal)
 El Honorable Sr. D. Vitor Escudero de Campos, Caballero Honorario y Canciller del Capítulo de La Casa Troncal de los Doce Linajes de Soria en Portugal, nos remite esta noticia que publicamos

TEMOS DE FILTRAR A REALIDADE   Auditório Adriano Moreira 19 de Maio de 2015


Sociedade de Geografia de Lisboa

;http://www.socgeografialisboa.pt/?m=201505&cat=62
Auditório Adriano Moreira 19 de Maio de 2015





Maria Teresa Bispo (DPC-CML) e Luis Fernando Dourdil, filho do pintor.


Breve abordagem das memórias pessoais que acumularam informação sobre as vivências relacionais e criativas de Luís Dourdil. O testemunho concretiza-se através do tempo, também filtrado ora pelo olhar da criança, ora do jovem, ora do adulto em que me tornei. Filtrar a realidade para meu pai elaborava um instrumento de criação, no meu caso apenas um depoimento que substancie um contributo para o melhor entendimento da obra e da vida de um artista que nos deixou um legado considerável.





UM RETRATO INTIMISTA

NUMA BREVE EVOCAÇÃO DO PINTOR LUÍS DOURDIL, MEU PAI

Como se compreende não me é fácil falar do meu pai como pintor. Não sou crítico de arte nem pintor, nem tenho formação académica sobre Arte. Apenas possuo, isso sim o contacto diário com a sua pintura, bem como as visitas a ateliers de pintores seus amigos e nos olhos as imensas exposições de pintura que sempre acompanhei ao longo da vida.

Sempre que podia acompanhava-o nessas idas e tentava absorver o máximo das suas considerações e de outros pintores sobre os trabalhos expostos; pinturas, desenhos e esculturas. Cresci neste meio, apaixonado pelas várias manifestações de arte e aprendi muito com o meu pai e outros da sua geração. Hogan, Martins Correia, Bual, Lagoa Henriques, Marcelino Vespeira, Sá Nogueira, designadamente. Ainda muito novo frequentava com o meu pai a Brasileira do Chiado e ficava deslumbrado a ouvi-los falar.

Assim a minha abordagem, não obstante, é necessariamente mais de natureza intimista e menos técnica. Com sete anos de idade, pela mão da minha mãe Olinda, ia ver o meu pai pintar, o Mural no Café Império. 





Com essa idade pequenita, tudo para mim era de uma dimensão acrescida, gigantesca. Os anos foram passando e ainda que ele nunca tivesse gostado de que o vissem trabalhar, eu espreitava de longe, curioso, os seus gestos criativos. 




Recordo com saudade o primeiro atelier do meu pai na Av. de Madrid, perto da Av. De Roma, que ele dividia com um grande amigo, António Fernando dos Santos "Tóssan".


https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Fernando_dos_Santos_(T%C3%B3ssan)

Mudou-se depois para um atelier, junto do Palácio do Coruchéus, tendo como vizinhos, entre outros, os pintores Manuel Lima, Victor Belém e Arlindo Vicente, o qual para além de ilustre advogado, foi igualmente um pintor talentoso.
Aqui se manteve até ao seu falecimento no dia 29 de Setembro de 1989.



Porém, para que conste, devo dizer que ainda solteiro teve o seu primeiro atelier, na Rua da Fé, freguesia de S. José em Lisboa, espaço que dividia (a meias) com um seu amigo de sempre, o Martins Correia escultor; admiração mútua que se manteve ao longo das respectivas carreiras. Um dia o meu pai confidenciou-me que se o Martins Correia “tivesse nascido em Itália teria sido um Marini”.
Por volta dos meus dez anos, aos fins-de-semana, era-me muito grato acompanhá-lo à lota da Ribeira e vê-lo desenhar as gentes do povo, as varinas e as suas canastras, peixeiras e peixeiros, as bancas, toda aquela azáfama tumultuosa chapinhada de água turva, na musicalidade gritada de sons e pregões. E, estas cenas da lota, das quais tomava apontamentos escritos e desenhados, eram então transportados para largas folhas de papel e amplas telas através da memória, no silêncio do seu atelier.



Crayon S/ Papel 80 X 57" Varinas de Lisboa" de Luís Dourdil Colecção C.M.L.

Voltando, porém à memória do Café Império cujo restauro celebramos, não posso deixar de transcrever o que sobre ele escreveu o Prof, Rocha de Sousa – o crítico, o pintor e o analista arguto que, de há muitos anos a esta parte tem sido um estudioso da obra do meu pai:






(…)

desde logo a lógica da pintura parietal que Dourdil realizou para a decoração do Café Império, tempera a gema de ovo, é além de uma obra ímpar naquele género de forma plástica integrada, a peça paradigmática de formas e de ser do autor.




Ali podemos debater a eficácia de quem sabe entrosar subtilmente o poder estruturante, a representação em metamorfose e transparência, a natureza das matérias e dos matérias, o sentido cénico, a contenção e a sensibilidade, a exigência paciente da tecnologia e das técnicas. Tudo isto informou e reformou todas obras murais de Dourdil e a sua obra pictórica em geral: no fundo, ele partia sempre de pretextos ( ou materiais) que a realidade urbana lhe oferecia e de uma escrita que era simultaneamente suporte estrutural e já morfologia dinâmica. Não se pode dizer que estivesse assim procurando construir, com uma representação fragmentada, propostas plásticas de mensagem dirigida, de cunho denunciador quer ao tempo, do neo- realismo, quer na época sectária da luta entre figurativos e abstractos. Ele sempre soube que a validade última da obra de arte não se podia procurar nos temas, nos assuntos, ou no sentido óbvio da mensagem figurativa. Sabia que uma pintura é, antes de qualquer outra coisa, essencialmente pintura. (…)

Rocha de Sousa, O Sentido do Drama em Luís Dourdil, Rev. de Artes Plásticas, Ano 1, Número 1, Julho 1990, fls 14.








Assim, chegados ao dia de hoje defino o meu pai como um homem delicado cortês e discreto que tinha uma forma de estar na vida muito própria dele enquanto pintor e intelectual. Foi um autodidacta que estudou profundamente a pintura. Para além do dom inato que tinha estudou muito a figura humana e os tratados acerca da mesma.

Como homem e como pintor era um ser sensível e observador. De repente parava na rua e debruçava-se para apanhar uma folha seca – recordo-me que era dessas que gostava mais pela vibração do colorido que podiam ter – e dizia-me: - Olha Luís que bonita a associação de cores que a natureza criou nesta folha! - Era um homem que se prendia à cor, embora tivesse o desenho como matriz da sua pintura.

O meu pai era um sentimental sóbrio, foi um excelente pai. Hoje tenho a certeza que foi um dos maiores pintores do século XX.

Luís Fernando Dourdil

Nenhum comentário:

Postar um comentário